30 de março de 2012

Até quando...




– Telefonei pra você ontem, não sei se você viu.
– Vi. Depois. Eu estava no cinema.
– Foi no cinema sem mim?
– Sim. Fui.
– Você está estranho. Quer dizer, você é sempre estranho. Só estou estranhando suas novas estranhezas.
– É. Eu sei. Eu só queria dar um tempo. Eu acho. Sei lá.
– O que há? Pensei que tivéssemos um acordo sobre as sextas-feiras. Você poderia ter me convidado. Eu iria junto contigo.
– Seria constrangedor.
– Por quê? O que você viu? Algo pornográfico?
– Um filme norte-americano boboca. Sobre amor. Tinha a Anne Hathaway. Aquela coisa, garoto-encontra-garota e após algumas resistências e desencontros, eles ficam juntos no final. Só havia casais e eu na sessão.
– Aeroportos envolvidos?
– Sim. Sempre.
– Nossa, constrangedor, realmente. Bom que você não me chamou. Eu não sairia viva. Você sabe, eu morro de tédio com essas histórias. Sou uma amor-ateísta. Praticante, militante e xiita. Uma mulher-bomba sem coração.
– É, eu sei. Por isso fui sozinho.
– Impressão minha ou você anda meio sentimental?
– Não sei se é a palavra. Ando querendo me apaixonar de novo. Estou fazendo alguns laboratórios.
– E eu estou atravancando seu caminho.
– Eu não disse isso.
– Mas deve estar pensando. Sempre deixei claro pra não contar comigo quando o assunto é... você sabe.
– Sei. Sabe, ontem, ao sair da sala no fim do filme, fiquei cuidando aqueles casais amarrados indo pra casa juntos ou saindo pra comer alguma coisa. Se você parar pra pensar, deixar o ceticismo de lado, é a coisa mais bonita quando duas pessoas resolvem viver uma para a outra. Justamente porque é o mais difícil de ser feito. Somos cínicos a respeito da condição deles, mas acho que quem está na zona de conforto somos nós.
– Preciso de um sal de frutas. Brincadeira. Eu espero, de coração, como sua amiga, que o amor aconteça com você. Um dia. Preferencialmente não até a próxima sexta-feira. Porque eu não tenho nada planejado ainda.
– E se o amor não for uma coisa que aconteça com a gente?
– Como assim?
– E se o amor for uma coisa que a gente deixa acontecer?
– Ah, entendi. Bem, tanto faz. Não quero deixá-lo acontecer e também não quero que ele aconteça comigo.
– Bem, então não há muito que eu possa fazer. Não tenho saída com você.
– Não. Não tem. Desculpa.
– Tudo bem.
– Falo sério. Eu sinto muito.
– Sente o quê?
– Culpa. Culpa por não sentir amor. Por não amar você. Me perdoa.
– Tudo bem, eu já disse. Não precisa chorar, também. Você não tem do que se sentir culpada.
– Você não disse se me perdoa ou não.
– Claro que sim. Quem me machuca com a verdade merece todo meu perdão.
– Obrigada. Me sinto mais aliviada.
– Eu estou bem, de verdade.
– Certo. Até sexta-feira então?
– Hum. Não.
– Não?
– Vou ao cinema outra vez.
– Com alguém?
– Não. Sozinho.
– Até quando?
– Até eu encontrar alguém pra ir comigo.
– Saquei. Até mais.


(Gabito Nunes)

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